terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Batidas na janela

Já é noite, e lá fora o barulho da chuva se confunde com alguns gritos. Acho que morar no centro tem dessas. Chuva de verão, que cai forte, violentando o asfalto e as pobres almas que não possuem abrigo. Uma sirene ao fundo faz as vezes da cereja do bolo, mas nem isso é capaz de me atrair.

Estou só, como de costume. Aliás, estamos apenas eu, e ela, a insônia. Parceira de longa data, relacionamento abusivo e duradouro. Já tentei fazer ela ir embora, mas descobri que ela vive dentro de mim, e eu não posso cobrar aluguel. A chuva subitamente aumenta, o que parecia impossível, sendo que não se vê mais um palmo à sua frente.

Penso em ligar uma música para me motivar a fazer alguma coisa da vida além de ficar sentado, mas a ideia logo passa. O teto parece mais interessante a essa altura. Em meio ao som de fundo da chuva, tenho a sensação de estar sendo observado. Olho por cima do meu ombro direito, desconfiado, mas nada ali no corredor, além daquela velha sensação de que não estou só.

Após algum tédio, ou melhor, algum momento tedioso, sinto novamente uma presença, dessa vez, do meu lado direito. Desencosto da poltrona, faço um giro completo de 360º e nada além da penumbra e da chuva. De repente, ouço uma batida na janela. Dessas bem familiares, feita com a unha. Será alguém me chamando, sem querer me assustar? Ou será que alguém está querendo abrigo?

De qualquer forma, não penso em atender. As batidas são fora de ritmo, mas começam a intensificar-se, assim como o frio gélido que me sobe a espinha e me deixa imóvel, em pé, no meio da sala, de frente para a janela. A maldita janela.

"Oi..." eu ouço, do outro lado. Não respondo.

"Eu sei que você está me ouvindo. Quer fazer isso do jeito fácil ou do jeito difícil?". Uma voz não necessariamente feminina ou masculina, apenas diferente. Parece que vem de dentro da minha mente, e eu, em pânico, fico parado.

"Eu não esqueço.", a voz diz, batendo a unha na minha janela, em tom amistoso; e eu não consigo pensar em nada. Minhas pernas tremem, minha boca fica completamente seca e eu consigo ouvir meu coração batendo.

Gradativamente, assim como a chuva vai finalizando o seu trabalho na rua, as batidas se encerram e a sensação de estar sendo observado, também. Sento no chão da sala, levo as duas mãos à cabeça por um momento, me levanto, tomo coragem e vou até a janela. Vejo pequenas ranhuras no vidro da janela do meu apartamento. Pelo visto, morar no 12º andar não me ajudou a deixar o passado para trás.

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